Água a correr para o mar

Água a correr para o mar

Água a correr - Ribeira do Beliche - Lena Valério

Reportagem: A gestão das águas e as consequências de represar ribeiras e rios nas populações ribeirinhas e na vida aquática

As populações que vivem junto a ribeiras e rios de Portugal frequentemente apontam o dedo à gestão hídrica, especialmente nos períodos de seca, quando a água corre para o mar, aparentemente sem qualquer controlo.

Esse cenário levanta questões relevantes sobre o impacto da construção de barragens e a necessidade de represar as águas.

Esta abordagem, que visa prevenir cheias e armazenar água para usos futuros, tem repercussões significativas tanto para as atividades econômicas, como a pesca, quanto para o equilíbrio ecológico das regiões afetadas.

Consequências da Repressão das Ribeiras e Rios

A construção de barragens é uma medida amplamente adotada em muitas partes do mundo para gerir os recursos hídricos, evitando cheias e garantindo o fornecimento de água em períodos de seca.

Contudo, represar ribeiras e rios altera profundamente os ecossistemas. A água, ao ser acumulada em grandes reservatórios, deixa de correr livremente em direção ao mar, reduzindo o volume dos caudais nos períodos de maior necessidade.

Esta diminuição de caudais afeta diretamente o que é conhecido como «caudal ecológico», isto é, o fluxo mínimo de água necessário para manter a vida e os processos ecológicos dos rios e suas áreas circundantes.

A falta de um caudal adequado compromete a qualidade da água, que perde capacidade de autorrenovação, e limita os nutrientes que chegam às zonas de estuário, impactando diretamente as cadeias alimentares.

Impacto na Atividade da Pesca e na Fauna Piscícola

Para as comunidades piscatórias, a redução do volume de água doce que chega ao mar tem consequências econômicas e ambientais.

A água doce que flui das ribeiras e rios carrega consigo nutrientes essenciais que fertilizam as zonas de estuário e zonas costeiras, servindo de alimento para a fauna marinha e apoiando as populações de peixes que são a base da pesca.

Com caudais reduzidos, estes nutrientes não chegam às zonas costeiras em quantidades suficientes, resultando na perda de produtividade das águas.

O ciclo de vida de várias espécies de peixes que habitam o mar e utilizam as águas costeiras para desova é interrompido.

Estas espécies, ao encontrarem condições menos favoráveis para o desenvolvimento, enfrentam uma taxa de sobrevivência mais baixa, afetando a disponibilidade de pescado nas zonas ribeirinhas e pressionando ainda mais a atividade pesqueira.

Desafios de Conciliar Armazenamento e Caudal Ecológico

A solução para garantir que haja um equilíbrio entre o armazenamento de água e o respeito pelo caudal ecológico passa por uma gestão criteriosa dos reservatórios.

É crucial que as barragens mantenham descargas controladas que assegurem a saúde dos rios e a chegada de água aos estuários, especialmente em períodos críticos.

Este equilíbrio exige políticas de gestão hídrica ajustadas às realidades climáticas, com monitorização constante e ajustes nas quantidades de água liberadas em função das condições naturais de cada período.

Além disso, projetos de requalificação de margens e zonas de inundação natural podem ajudar a recuperar parte dos habitats aquáticos perdidos e a criar condições mais favoráveis para a preservação de espécies, contribuindo para a resiliência ecológica e para a sustentabilidade das atividades económicas que delas dependem.

Considerações Finais

A solução para as queixas das populações ribeirinhas e para a sustentabilidade da pesca passa por repensar o papel das barragens na gestão dos recursos hídricos.

É preciso, portanto, que o foco não esteja apenas em armazenar água, mas em garantir a continuidade dos ciclos naturais que beneficiam tanto os ecossistemas quanto as economias locais.

Sobre o autor

FOZ - Redacção FOZ

PHP Code Snippets Powered By : XYZScripts.com
×