Nos 110 anos do nascimento de António Bandeira Cabrita

«A sua vida foi um dos mais belos exemplos de revolucionário português e o seu nome nunca poderá ser esquecido» – Grácio Ribeiro

António Bandeira Cabrita nasceu em Vila Real de Santo António em 20 de Junho de 1910, no edifício da esquina sueste da Praça Marquês de Pombal.

Foi membro do Secretariado do Partido Comunista Português e um dos primeiros portugueses a alistar-se nas milícias populares. Foi promovido a tenente por atos de bravura. Morreu na frente de Talavera. O seu funeral constituiu uma homenagem a um herói de guerra.

O escritor António Vicente Campinas, nos alvores do regime democrático saído da Revolução de Abril de 1974, ainda exilado em França, escreveu para o Jornal do Algarve uma peça chamando a atenção para a necessidade de Vila Real de Santo António de homenagear de alguma forma «um dos seus mais destacados filhos antifascistas».

«Não é com o esquecimento que se pode fazer a história. Esquecimento de factos como de pessoas. História de povos e de nações. Mesmo de pequenas terras e seus naturais», dizia ele no texto publicado no Jornal do Algarve em 15 de Fevereiro de 1975. E, após uma cantata à liberdade reconquistada, chamava a atenção para «os que, pela posição corajosa e honrada de lutadores contra o terror e a opressão fascistas, merecem ser lembrados. Mesmo que não pertençam de há muito ao mundo dos vivos». E explicava porquê: «É o dever de quem conhece informar os que nunca souberam. E mesmo os que, por comodismo ou réstia de receio colada às necessidades das conveniências presentes possam ter-se esquecido»

António Bandeira Cabrita não foi esquecido por Vila Real de Santo António

António Bandeira Cabrita, tem o seu nome numa Praceta de Vila Real de Santo António, precisamente numa zoma residencial do operariado, embora a deliberação tivesse apontado a Rua Estreita. A deliberação ocorreu na reunião da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, realizada a 12 de junho de 1976, sob a presidência de Joaquim Correia, acolhendo a sugestão de Vicente Campinas, e a câmara municipal presidida por Luís Gomes, por proposta do vereador do PCP José Estêvão Cruz, ali afixou a placa toponímica atual.

Quando foi dado nome a esta praceta, a democracia portuguesa, na sequência da Revolução de Abril de 1974, dava os primeiros passos na construção do regime democrático em que hoje Portugal vive e é natural que a colocação das placas toponímias tivessem assumido um papel secundário, no dia-a-dia daqueles autarcas.

Para A. Vicente Campinas, António Bandeira Cabrita, ainda estudante, levou as suas ideias de liberdade para a terra onde nasceu, Vila Real de Santo António. Foi um lutador consequente, um organizador ativista «um homem que morreu na flor da idade, lutando de armas na mão contra o fascismo internacional. Contra o fascismo que, em Espanha, se enraizava, com a ativa e possante ajuda dos grandes interesses da reação mundial, que davam aos Hitlers e Mussolinis os meios de destruição mais desenfreados, para o combate contra a democracia».

Embora não o tenha citado, António Bandeira Cabrita lutava pela República na vizinha Espanha, contra a sublevação de Francisco Franco. O que Campinas pedia de Paris, como homenagem ao herói republicano seu conterrâneo municipal era muito simples: «que o seu nome fique a ornamentar o de uma praça, de uma avenida, ou de uma rua dessa vila sulina e fronteiriça».

«É que não será apenas uma justiça que Vila Real de Santo António prestará à memória de um grande democrata, mas também uma honra, para si e para os seus filhos, lembrar aos vindouros que, na longa e triste «noite da opressão e da vergonha fascista» de cerca de meio século, um jovem, filho dessa vila, com a coragem e a consciência dos democratas, lutou, sofreu e morreu pela Liberdade e pela Democracia», dizia António Vicente Campinas.

O pai de António Bandeira Cabrita era tesoureiro na câmara municipal de Vila Real de Santo António e tinha ao lado do local de trabalho um estabelecimento de comércio e artigos regionais e artísticos, dirigido pela esposa. Segundo Vicente Campinas, era um velho republicano, desde os primeiros alvores da República, respeitado e respeitador, «de uma modesta ímpar».

O casal teve cinco filhos, quatro raparigas e o António. Desde muito novo denotou uma inteligência fora do comum, com espírito inventivo. Depressa se impôs como um excelente estudante liceal.

António Bandeira Cabrita voltava para Vila Real de António durante as férias e aqui prosseguia os estudos e experiências inventivas. Ainda segundo António Vicente Campinas, «para fazer compreender a seus jovens amigos os seus ideais de fraternidade, de socialismo, de camaradagem entre os homens, de compreensão entre os estudantes e os trabalhadores. Mas não limitava essa sua atividade a conversas isoladas ou a reuniões restritas com os seus amigos mais chegados. Expandiu-as através de um trabalho de organização dos trabalhadores vila-realenses, com a ajuda de alguns jovens que então começavam a compreender e a aceitar as suas ideias antifascistas

Já tinha então acontecido o golpe militar de 28 de Maio de 1926 que instaurou o regime do «Estado Novo».

António Bandeira Cabrita conseguiu que todos os sindicatos operários da sua terra se unissem num único, o Sindicato dos Trabalhadores de Terra e Mar de Vila Real de Santo António, porque entendia que «a força do operariado reside na sua unidade efetiva e duradoura», sindicato que foi uma trave mestra e a cuja direção pertenceu. António Vicente Campinas deu disso mesmo testemunha, poi foi seu camarada nessa direção, quando tinha 18 anos. A sede funcionou no edifício onde mais tarde abriu o famoso café Janelas Verdes.

Com a extinção dos sindicatos operários decretada pelo ditador Salazar, este sindicato deixou de existir e, tal como os outros em todo o País, viu as suas portas encerradas e os bens confiscados pelo poder fascista em ascensão.

António Bandeira Cabrita continuou na universidade. Foi preso várias vezes, ainda como estudante, mas retomava sempre o seu posto de luta.

Participou no golpe mal sucedido de 26 de Agosto de 1931, destinado a derrubar do poder António Oliveira Salazar. Em 2 de Setembro desse mesmo ano de 1931, o navio Pedro Gomes, com 358 deportados a bordo, faz-se ao mar a caminho de Timor. O dirigente comunista António Bandeira Cabrita é um dos deportados.

2-9-931Deportaram o meu António para TimorEscreveu a irmã no seu bloco de notas

Vamos ainda recorrer ao poder descritivo de António Vicente Campinas para caracterizar a ação desenvolvida por António Bandeira Cabrita:

«As forças da reação e do crime, as potências imperialistas, faziam ensaios de novas armas, de novos métodos de destruição. A ambição de domínio mundial, de imposição dos seus terríveis métodos de opressão e de destruição massivas sobre outros povos menos preparados material e psicologicamente para uma confrontação bélica, lançou raízes, começando pela vizinha Espanha. A Espanha, que havia pouco tinha conseguido libertar-se, por meio de eleições, de uma monarquia obsoleta e reacionária, implantando, pela vontade da maioria do povo, a República, que atravessava, ainda, as dificuldades inerentes aos males deixados pelo regime anterior da monarquia manchada de sangue de numerosos lutadores assassinados e perseguidos, como Galán e outros, e ainda as novas dificuldades criadas pelos reacionários e privilegiados que tinham sido abatidos dos seus pedestais de senhores todo-poderosos.»

Vicente Campinas apontava como causa do colapso da República Espanhola, perante as tropas de Franco: «O povo tinha a alma e força de lutador, espírito republicano e democrata. Mas faltava-lhe a experiência e a organização, um comando que pudesse estar à altura da situação. E sobretudo faltava-lhe armas. Com a muralha de peitos e de vontades não se pode fazer face aos pelotões assassinos, armados até aos dentes. E foi assim que, pouco a pouco, a guerra civil foi pendendo a desfavor dos republicanos espanhóis, dos antifascistas de todo o mundo».

«António Bandeira Cabrita, logo que soube do desencadeamento da guerra civil em Espanha, mesmo nos confins do seu desterro de Timor, onde estava purgando anos de forçada detenção, decidiu ajudar na luta contra o fascismo. Democrata e antifascista consciente e corajoso, defensor da liberdade dos povos evadiu-se de Timor. E veio incorporar-se nas hostes republicanas. Atravessou mares e distâncias, dificuldades e ostracismos, para poder juntar-se aos camaradas que nunca conhecera, mas seus camaradas e irmãos de ideal, vindos de todos os recantos do mundo. Enfileirou então nas Brigadas Internacionais como posto de tenente».

Campinas assinala também a morte de António Bandeira Cabrita na batalha de Talaveira de la Reina, mas, em termos de rigor histórico, parece mais consistente e estruturada, a versão de Domingos Abrantes, sobre a forma de participação na solidariedade internacionalista.

Vicente Campinas descreve António Bandeira Cabrita como «um idealista fraterno, um democrata consciente e ativo, um revolucionário e defensor da democracia.

O dia de todas as revoltas: 26 de Agosto de 1931

– Deportação para Timor

A ficha de António Bandeira Cabrita

Em 1931, António Bandeira Cabrita tem 21 anos. No dia 26 de Agosto estala uma revolta de contornos imprecisos contra a ditadura, da qual o regime se apercebeu com a devida antecedência, devido a contradições, deficiências na preparação e provavelmente a golpes de compromissos difíceis de esclarecer. O jornal Diário da Manhã, afeto à ditadura, sai com a notícia de que haviam sido presos numerosos indivíduos filiados no Partido Comunista e que lhes tinham sido apreendidos documentos comprometedores na própria madrugada desse mesmo dia.

«Ao cair da noite desse mesmo dia 26 de Agosto, o Governo detinha já o pleno controlo da situação em Lisboa, regressando-se ao «viver habitualmente» na manhã seguinte, excetuando-se um rasto de destruição e violência principalmente por ação do bombardeamento aéreo sobre áreas circundantes do forte de Almada, os 40 mortos, os cerca de 200 feridos e mais de 600 prisioneiros. Destes, 358 embarcarão uma semana depois, sem serem julgados nem autorizados a ver as famílias, para deportação em Timor, a bordo do navio Pedro Gomes». – Francisco Lopes Melo

Leia-se o que dizia o comunicado de «Um grupo de deportados de Timor à Nação Portuguesa:

Em 2 de Setembro de 1931 foram embarcados a horas mortas, por entre filas compactas de baionetas que se estendiam da Penitenciária até ao cais de Belém, uma centenas de cidadão portugueses. O barco que os esperava era o «PEDRO GOMES», da Companhia Nacional de Navegação. Seu destino, Timor. Em 28 de Julho já tinha partido, igualmente de Lisboa, o transporte de guerra «GIL EANES», conduzindo também umas dezenas de portugueses embarcados nas mesmas condições. Ambos os barcos aportaram a Dili, capital da Colónia.

Na expressão de um jornalista holandês de Java, onde quer um quer outro navio tocaram, conduziam a bordo «carga humana». Parte desta, a do «PEDRO GOMES» foi ainda por este paquete transportada a uma dependência da colónia, o ilhéu do Ataúro. A outra foi para longe, para um pequeno enclave que possuímos no território do Timor holandês, com o nome de Oe_Kussi_Ambeno.

Ataúro, dada a pequenez da sua superfície e a carência de meios de comunicação, é um campo de concentração natural. O mar substitui o arame farpado e a espingarda vigilante das sentinelas. No Oe Kussi havia um verdadeiro campo de concentração, com profundos e largos fossos cheios de água e, em volta, os postes de arame farpado. Metralhadoras em posição vigiavam o campo de um alto próximo. Um comandante, à frente de uma força indígena e empunhando um chicote, dava ordens.

Num e noutro ponto — os piores climas da Colónia — o termómetro marcava às oito horas da manhã 32 graus centígrados e as chuvas (era o mês de Outubro) começavam a encher os terrenos em volta. Por isso a doença entrou juntamente com os prisioneiros nos campos de concentração e a Morte logo abriu sobre estes, pairando invisível, as asas negras acolhedoras.

É assim que o Governo da Ditadura, sem processo nem julgamento, trata os portugueses que combatem pela República, implantada por livre vontade da Nação em 1910.

Judicialmente chama-se a isto degredo, com prisão no lugar de degredo, seguida de pena de morte sem guilhotina nem fuzilamento. A morte deve resultar, ignorada e distante, insidiosa e cobardemente provocada, das privações conjugadas com a natural depressão moral e a ação mortífera do clima.

António Bandeira Cabrita era um desses 358 deportados. Ali existiam dois campos de concentração. Um em Oekussi e outro em Atauro, um ilhéu inóspito. Ele ficou em Oekussi, pelo que se entende da descrição do livro de Grácio Ribeiro «Deportados».

«Transposto o fosso e a vedação de arame farpado, muitos dos deportados do 26 de Agosto, aguardam os novos camaradas. O Simões fica perplexo ao ver na sua frente, de braços abertos, o Cabrita, aquele mesmo Cabrita do secretariado do Partido que lhe transmitira ordens relativas ao 17 de Maio e que, mais tarde, juntamente com o Penamacor, injustamente o acusou de terrorista perante o Comité Central. Fora esse Cabrita um dos proponentes da sua irradicação do Partido em aquele mesmo a quem o Simões, na véspera do embarque para Lisboa, escrevera umas carta insultando-o e dizendo-lhe que lamentava não dispor deu uma só hora que fosse de liberdade para lhe cuspir na cara, esmurrá-lo e dizer-lhe, de viva voz, o que então lhe escrevera! O Cabrita ali estava na sua frente, com um riso franco a encher-lhe o rosto bonacheirão e os braços inequivocamente abertos para o abraçar! O Simões não era rancoroso e o Cabrita era, efetivamente, um admirável revolucionário. Estreitaram-se com efusão, com sincera alegria. Poderia qualquer ressentimento substituir tão longa distância, depois de tudo o que se passara? De resto, verificava-se que o veneno de todo aquele caso fora do sinistro Penamacor».

Prosseguido o relato do encontro, diz Grácio Ribeiro, no seu livro «Deportados»:

Este reencontro de dois camaradas e amigos irá fortalecer notavelmente a posição do Partido entre os deportados e isso era o mais importante. O Cabrita era dos elementos mais dinâmicos da organização e, quanto a princípios, por muitos era tido como um fanático. Na verdade, ele só vivia para a Revolução e, na sua mente ou no seu coração não havia lugar para outro amor, para qualquer outra paixão. Uma tal natureza não suscitava amizade, de modo que, entre os próprios camaradas, o Cabrita ere um solitário. Só o Simões o compreendia e apreciava devidamente, de maneira que não só olvidou o incidente de Lisboa, como se tornou no seu mais intimo amigo».

Grácio Ribeiro afirma depois que António Bandeira Cabrita (este Cabrita, é o que se lê no texto, mas o contexto permite afirmar de quem se trata) conseguiu uma licença parta se ir tratar de uma hipotética doença em Macau, donde depois fugiu para a China. Afirma que dali seguiu para Moscovo e depois para Espanha em missão internacional. «Bateu-se heroicamente contra as hostes fascistas de Franco e acabou por morrer em combate. A sua vida foi um dos mais belos exemplos de revolucionário português e o seu nome nunca poderá ser esquecido»

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jestevaocruz

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