O espaço público urbano é o lugar onde se manifesta a vida

O espaço público urbano é o lugar onde se manifesta a vida

Conversas com covid à beira do Guadiana

— Bom dia Amigo Miguel! Bons olhos vos vejam! Por onde tem andado o Amigo, que não lhe têm posto a vista em cima?

— Bom dia Amigo João! Obrigado pela atenção, mas não precisa ficar preocupado, pois esta minha tão notada ausência é fruto de um árduo trabalho de pesquisa que estou a desenvolver, tendo em vista a publicação de um pequeno ensaio sobre a segregação, discriminação, marginalização e exclusão social de uma população. A ver vamos se tenho condições para o desenvolver, a coisa está a mostrar-se mais complexa do que eu pensava. Bom, logo se vê o que é que sai à praça. Mas o Amigo conte lá como tem passado?- Como se pode ver, apesar desta “desgraça” onde estamos metidos, tenho-me safado bem, obrigado. Depois da nossa última conversa, descobri no “Jornal do Algarve”, do passado dia 17 de Dezembro, um edital da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António que me chamou a atenção por duas razões.

– Sim?

— É verdade. Primeiro, a dimensão da publicação, meia página para um documento que nem um quarto de página necessita.- Isso é porque é uma Câmara rica, sem problemas financeiros, nem sabe como gastar o que tem. E a outra, qual é?- A outra é a decisão de desafectar do domínio público, e passa-la para o domínio privado, uma parcela de terreno com 210,40m², no Sertão em Monte Gordo. O amigo sabe alguma coisa disto? Infelizmente deixei passar o prazo da discussão pública…- Sei alguma coisa, sei e…

— Conte lá o que sabe, porque tudo isto me parece muito esquisito.- Bem, o que sei é que isto é mais um daqueles casos de especulação imobiliária, em resultado da passagem do direito de superfície para propriedade plena. Uma empresa do imobiliário comprou uma moradia unifamiliar, construída num lote de terreno cedido pela Câmara para construção de habitação própria. Esta moradia tem vãos abertos para o espaço público, para além da fachada da entrada, para aquilo que podia ser uma pequena praceta, com mais de 360,00m² de área. Aproveitando esta condição, a empresa requereu a venda desse espaço público.

— E, de acordo com o edital, a Câmara concordou vender parte desse espaço público?!

— É verdade!

— Mas diga-me lá o Amigo com que fundamento é que se vende espaço público tratado, limpo, numa zona urbana consolidada? Bem sei que esse espaço tem condições para estar muito melhor tratado, mas daí até ser vendido para construção… Com que fundamento é que a Câmara aprova a sua alienação? O que é que os urbanistas e arquitectos da Câmara argumentam?

— Saiba o Amigo que a decisão é tomada com base, não num parecer técnico de arquitecto ou urbanista, mas num “considerando o parecer jurídico” e num “considerando que o terreno em causa está na malha urbana (…) e não tem qualquer outro uso a não ser o interesse público do desenho urbano da zona”. Ou seja, a decisão é tomada com base em duas opiniões, pois este “parecer” não é dado com base em qualquer argumento ou fundamento jurídico, é uma opinião, e o segundo considerando, de que me abstenho de classificar, e que desconheço a autoria, é também uma opinião.

— Parecer jurídico?- Sim senhor! O arquitecto ou o urbanista, dos serviços técnicos municipais, aqui, neste assunto, não “pinta nada”. Nem percebo porque é que a Câmara precisa desses técnicos!? Os juristas resolvem os assuntos todos…

— E o Amigo conhece esse “parecer”? Deve ser um documento único que, certamente, vai ficar nos anais da história (ou será das estórias?) da gestão urbanística do município de VRSA

-.- Já tive oportunidade de lê-lo e a justificação é “excelente”, uma “pérola” que merece ser divulgada:“(…) o edifício propriedade da Requerente possui abertura de vãos de janelas e porta no alçado virado a poente o que inviabiliza a aquisição desta parcela por outro requerente (…) porque a área de implantação seria bastante reduzida. No entanto, se a requerente proceder à junção das duas áreas (do edifício que possui mais a parcela que pretende adquirir) pode construir um edifício único com alguma dimensão.”

— Quer dizer, o douto senhor é de opinião que a Câmara deve ceder uma área do bem comum, quase 1,5 maior que a área que o requerente tem, para viabilizar um negócio especulativo. Sim senhor, é, de facto, um bom princípio para quem diz que, e passo a citar: “(…) a Câmara Municipal de Vila Real de Santo António e os seus serviços prosseguem (…) fins de interesse público municipal, tendo como objectivo (…) o desenvolvimento económico e social do Concelho de forma a proporcionar a melhoria das condições gerais de vida (…) dos seus habitantes, no respeito pelo ambiente (…).”- Amigo João, e se fossemos almoçar? “A Saloia” tem umas pataniscas de bacalhau…- Amigo, já lá devíamos estar!

./Miguel Veloso

escrito sob o antigo acordo ortográfico

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