Com base nas informações conhecidas até o momento, o Governo português decidiu transferir o Campo de Tiro de Alcochete para dar lugar à construção do novo aeroporto de Lisboa, que será localizado no terreno atualmente ocupado por essa infraestrutura militar.
A escolha de Mértola, especificamente na região do Parque Natural do Vale do Guadiana, como destino provável para o novo campo de tiro, parece estar fundamentada em razões práticas e estratégicas, embora os detalhes oficiais ainda não tenham sido plenamente explicitados, dado que o processo está em fase preliminar.
Por outro lado, as autarquias de Mértola e Serpa, juntamente com a Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM), manifestaram-se fortemente contra essa possibilidade, apresentando uma série de argumentos ambientais, económicos e sociais.
Eis a polémica e os argumentos:
Razões invocadas pelo Governo português para a transferência:
- Construção do novo aeroporto de Lisboa:
A principal razão para a transferência do Campo de Tiro de Alcochete é a decisão de construir o novo Aeroporto Luís de Camões naquele local. O campo de tiro, que ocupa uma área de 7.560 hectares, é um dos maiores da Europa e está certificado para treinos militares, mas sua localização foi escolhida como a mais vantajosa para o novo aeroporto após estudos da Comissão Técnica Independente (CTI). A deslocalização é, portanto, uma consequência direta dessa opção estratégica. - Baixa densidade populacional em Mértola:
Desde pelo menos 2007, a Força Aérea Portuguesa considera a zona entre Mértola e Serpa, na região do Vale do Guadiana, como uma alternativa viável devido às suas características geográficas e demográficas. A baixa densidade populacional reduz os riscos e os conflitos com comunidades locais, sendo um fator favorável para a instalação de uma infraestrutura militar que envolve exercícios com armamento real, como os treinos ar-chão dos caças F-16. - Requisitos operacionais da Força Aérea:
O Campo de Tiro de Alcochete é o único em Portugal que permite treinos de bombardeamento aéreo com caças F-16, uma capacidade essencial para a operacionalidade militar. A transferência para Mértola seria uma forma de manter essa funcionalidade num local que, teoricamente, atende às necessidades técnicas, como espaço amplo e isolamento, conforme estudos realizados pela Força Aérea em 2008 e reavaliados ao longo dos anos. - Custo assumido pelo Estado:
O Governo, em conjunto com a ANA (concessionária dos aeroportos), determinou que os custos da deslocalização, incluindo a desminagem do terreno em Alcochete e a construção de novas infraestruturas em Mértola (estimados entre 200 e 250 milhões de euros), serão responsabilidade do Estado. Isso reflete a prioridade dada ao projeto do aeroporto e a necessidade de realocar as atividades militares sem depender de financiamento externo.
Argumentos das autarquias que discordam (Mértola e Serpa):
- Impactos ambientais irreversíveis:
As autarquias e a ADPM destacam que a instalação de um campo de tiro no Parque Natural do Vale do Guadiana teria «efeitos profundos» em áreas de elevado valor ecológico, como o sítio Guadiana (ZPE Vale do Guadiana), a ZPE Castro Verde, e a Reserva da Biosfera de Castro Verde. Esta região é um dos principais ecossistemas de biodiversidade da Península Ibérica, abrigando espécies ameaçadas como o lince-ibérico, abutre-preto, cegonha-preta e abetarda. A poluição sonora e luminosa, bem como a contaminação dos solos por metais como chumbo e zinco (provenientes de munições), comprometeriam a fauna, a flora e os ecossistemas locais. - Prejuízo ao desenvolvimento sustentável:
Mértola e Serpa têm investido em projetos de sustentabilidade, como a certificação de Mértola como Destino Turístico Sustentável Biosphere e o «Dark Sky Alqueva», o primeiro destino starlight do mundo. A presença de um campo de tiro, com ruído de operações militares e poluição luminosa, inviabilizaria essas iniciativas, afetando o turismo, a agricultura, como a produção do queijo Serpa, e a cinegética, setores fundamentais para a economia local. - Conflito com projetos turísticos e transfronteiriços:
Está em curso a criação do primeiro Geoparque Transfronteiriço do Vale do Guadiana e Província de Huelva, um projeto com financiamento do POCTEP e que envolve a participação de municípios portugueses e espanhóis. As autarquias argumentam que um campo de tiro comprometeria anos de trabalho na construção de uma oferta turística sustentável, pondo em risco a cooperação transfronteiriça e o desenvolvimento económico da região. - Falta de diálogo e informação:
As câmaras de Mértola e Serpa criticam a ausência de envolvimento das autarquias no processo decisório. Apesar de o Governo ter afirmado, em 18 de fevereiro de 2025, que »não há decisão tomada» e que as autarquias serão consultadas na fase de consolidação, as entidades locais afirmam desconhecer os detalhes do projeto e exigem participar desde o início, considerando que o território e a população não podem ser ignorados. - Impactos sociais e na qualidade de vida:
A poluição sonora proveniente de exercícios militares afetaria os residentes e a produção pecuária, com prejuízos previsíveis na produtividade. Além disso, o ruído poderia interferir nas rotinas de nidificação e migração de aves, deslocando espécies para áreas menos adequadas e ameaçando a biodiversidade que sustenta a identidade cultural e económica da região.
Considerações finais:
Embora o Governo tenha destacado a necessidade de realocar o Campo de Tiro para viabilizar o novo aeroporto e manter a capacidade operacional da Força Aérea, os argumentos das autarquias refletem uma preocupação com a preservação do património ambiental, cultural e económico do Vale do Guadiana.
Até agora, a decisão não está consolidada, e o Ministério da Defesa promete envolver as autarquias na próxima fase. Contudo, a oposição local é clara: caso o novo campo de tiro mantenha as mesmas características de Alcochete, Mértola e Serpa rejeitam «frontalmente» a transferência, defendendo que os impactos negativos superam os benefícios estratégicos apontados pelo Governo. Entretanto, a Câmara de Mértola emitiu um comunicado, onde esclarece que «não existe, até ao momento, qualquer decisão tomada relativamente à localização de um futuro Campo de Tiro e que, na fase de consolidação dessa decisão, as autarquias abrangidas serão contactadas».
A posição é avançada, depois das recentes notícias sobre possibilidade da deslocação do Campo de Tiro de Alcochete para o concelho de Mértola, e depois da Câmara de Mértola ter recebido «finalmente uma comunicação oficial do Gabinete do Ministro da Defesa», com data de 18 de fevereiro.
Perante a resposta oficial agora recebida, a Câmara Municipal de Mértola reafirma que não foi envolvida em qualquer discussão ou tomada de decisão sobre esta matéria e que desconhece os detalhes desta eventual mudança, frisando que as restantes entidades no território, nomeadamente a Câmara Municipal de Serpa, também não foram contactadas em relação a este assunto.
A Câmara de Mértola fala ainda no «alto impacto negativo de tal projeto para diferentes setores da economia local como a agricultura, a cinegética, o turismo, a agropecuária e para toda a marca de sustentabilidade que tem vindo a ser trabalhada como fator diferenciador”, e exige ser “parte integrante deste processo desde o seu início».
Mário Tomé, presidente da Câmara de Mértola, lamenta a «falta de envolvimento», neste processo.