Lídia Jorge refletiu sobre a Literatura e o Tempo em Vila Real de Santo António
A escritora Lídia Jorge esteve presente na Biblioteca Municipal Vicente Campinas, em Vila Real de Santo António, num encontro promovido pelo Clube de Leitura, onde refletiu sobre o papel da literatura na sociedade, a importância da memória e os desafios do presente.
A sessão contou com a presença de leitores e admiradores da sua obra, que partilharam as suas impressões sobre os livros da autora, com especial destaque para o mais recente romance, Misericórdia.
A Literatura como Espelho da Transformação Social
Durante a conversa, Lídia Jorge definiu-se como cronista do seu tempo, abordando a forma como a sua escrita tem documentado a evolução da sociedade portuguesa nas últimas décadas. Desde o impacto da Revolução de Abril, retratado em O Dia dos Prodígios, à transição do mundo rural para o turismo no Algarve, tema central em O Cais das Merendas, a autora enfatizou que a literatura tem um papel fundamental na compreensão da identidade e na valorização da memória coletiva.
«A minha escrita nasce da necessidade de dar voz ao que desaparece e de capturar o que muitas vezes passa despercebido”, afirmou, referindo-se à forma como retrata as mudanças socioculturais no país. Para Lídia Jorge, o sul de Portugal é um microcosmo das grandes transformações mundiais, refletindo não apenas a globalização, mas também as tensões entre modernidade e tradição».
“Misericórdia”: Um Olhar sobre a Velhice e a Resistência
O destaque da sessão foi a discussão sobre Misericórdia, romance que aborda o envelhecimento, os lares de idosos e a relação entre cuidadores e residentes. Inspirada em experiências pessoais, a obra retrata a luta de Dona Alberti, uma idosa que resiste à perda de autonomia e à dissolução da sua identidade num lar.
Lídia Jorge sublinhou que este livro tem sido recebido com uma forte carga emocional pelos leitores, muitos dos quais se identificam com a realidade das personagens. «Este não é um livro sobre decadência, mas sim sobre resistência e o fulgor da vida», disse. A autora destacou a importância do afeto, das relações humanas e da memória na construção do sentido de vida, mesmo em contextos de vulnerabilidade.
Outro tema relevante foi o papel dos imigrantes nos lares de idosos, uma realidade crescente em Portugal. A escritora observou que o encontro entre idosos e cuidadores estrangeiros, muitas vezes oriundos de contextos precários, gera novas dinâmicas sociais e afetivas, nem sempre isentas de tensões, mas também de solidariedade.
O Algarve e a Perda da Identidade Cultural
A sessão trouxe ainda à tona questões ligadas à identidade algarvia, especialmente a partir do livro O Cais das Merendas. Lídia Jorge refletiu sobre a forma como o Algarve se tornou uma região dominada pelo turismo, muitas vezes sem que a população local colha os benefícios desse crescimento. A autora partilhou episódios que ilustram a forma como, ao longo dos anos, a cultura local tem sido marginalizada em prol da adaptação às exigências do turismo de massas.
«O Algarve foi colonizado economicamente, e muitas vezes, a sua população aceitou essa transformação sem resistência», afirmou. Para Lídia Jorge, a literatura pode ser uma ferramenta para refletir sobre essas mudanças e para preservar a identidade e a memória das comunidades.
A Literatura como Ato de Resistência
No encerramento do encontro, a escritora reforçou a importância da literatura como um espaço de resistência, capaz de questionar o presente e projetar o futuro. Referiu-se ao ato de escrever como uma forma de transformar a dor e as experiências em arte, tocando os leitores de forma profunda.
A sessão terminou com um diálogo entre Lídia Jorge e os participantes, que partilharam as suas experiências de leitura e o impacto das suas obras nas suas vidas. No final, a escritora agradeceu a receção calorosa e elogiou a dedicação do Clube de Leitura e da Biblioteca Municipal Vicente Campinas na promoção do gosto pelos livros e pela cultura.
Com esta sessão, Lídia Jorge reforçou o seu papel como uma das vozes mais marcantes da literatura portuguesa contemporânea, deixando aos leitores de Vila Real de Santo António uma reflexão sobre a memória, a identidade e o tempo.
Vereador Fernando Horta apelou à Valorização do Algarve e da Cultura
A sessão foi inicialmente presidida pelo presididente da câmara municipal Álvaro Araújo que, depois de apresentar os cumprimentos de boas vindas e agradecimento à escritora, se ausentou por outros compriomissos, tendo ficado em sua representação o vereador Fernando Horta.
Este destacou a importância da cultura, da identidade algarvia e da necessidade urgente de valorizar o património da região. Inspirando-se numa célebre citação do poeta espanhol Federico García Lorca, que afirmava que se tivesse fome preferiria meio pão e um livro, o vereador sublinhou que a literatura é essencial para alimentar o espírito e fortalecer a identidade coletiva.
«Entrei aqui com os meus simpáticos e responsivos 100 quilos e saio pelo menos com 200. E garanto que não comi nenhum pão», afirmou, numa intervenção marcada pelo tom bem-humorado, mas também pelo compromisso com a valorização do Algarve.
O Papel da Biblioteca e a Luta da Escritora Lídia Jorge
Antes de abordar o tema central da sua intervenção, Fernando Horta fez questão de agradecer à equipa da Biblioteca Municipal, destacando o trabalho que considerou meritório de dinamização da cultura e de envolvimento da comunidade em diversas atividades.
Dirigindo-se a Lídia Jorge, enalteceu a sua relevância na literatura nacional e internacional, mas também a sua força em três dimensões que, segundo o vereador, representam desafios em Portugal: ser escritora, ser mulher e ser algarvia. «Nenhuma dessas condições é fácil, e a Lídia Jorge personifica todas elas com coragem e talento», afirmou.
A Urgência de Reivindicar o Algarve
O ponto alto da intervenção de Fernando Horta foi a sua reflexão sobre o Algarve e a sua identidade, um tema que também perpassou as discussões ao longo da sessão com a escritora. O vereador criticou a subalternização da região, alertando para o risco de se continuar a permitir que o Algarve seja apenas um destino turístico e não um território valorizado pela sua cultura, história e economia.
«O Algarve é subliminizado, e isso acontece porque nós deixamos que aconteça», afirmou, defendendo a necessidade de inverter essa realidade através de um esforço coletivo. «Temos que reverter, sistematizar e operacionalizar esta mudança no terreno, envolvendo toda a comunidade», apelou.
O vereador sublinhou ainda que a história de Portugal continua a ser contada a partir de Lisboa, ignorando muitas vezes a riqueza e especificidade do Algarve. Para mudar essa realidade, afirmou que é necessário unir esforços e iniciar de imediato um trabalho conjunto para fortalecer a presença e a voz da região no panorama nacional.
A sua intervenção terminou com um compromisso firme: «Estamos juntos e vamos começar a trabalhar a partir de hoje.»
Diretora do Jornal do Algarve Destaca a Colaboração de Lídia Jorge e a Urgência da Defesa da Comunicação Social na Região
No Encontro com Lídia Jorge, realizado na Biblioteca Municipal Vicente Campinas, a diretora do Jornal do Algarve, Luísa Travassos, destacou a importância da recente colaboração da escritora com o jornal e sublinhou a necessidade urgente de defender a comunicação social na região.
Lídia Jorge começou há duas semanas a publicar crónicas no Jornal do Algarve, tendo iniciado a sua participação com o artigo «Está Alguém Ali?», um apelo à união da comunidade cultural, empresarial e política em torno da preservação da comunicação social no Algarve.
«É uma pedrada no charco», afirmou Luísa Travassos, salientando que o texto da escritora gerou uma forte reação, com muitas pessoas a questionarem sobre o futuro do jornal. «O Jornal do Algarve não vai acabar. Estamos todos a dar as mãos para fortalecer a comunicação social e mudar consciências e práticas», garantiu.
A Solidão do Algarve na Defesa dos Seus Meios de Comunicação
A diretora do jornal lamentou que, ao contrário do que acontece no Norte do país, onde empresários e comunidades locais se unem para salvar os seus jornais, no Algarve a situação seja diferente. «Aqui, está toda a gente de costas voltadas», alertou, frisando que a falta de apoio coloca em risco a sobrevivência da imprensa regional.
Nesse sentido, destacou o contributo de Lídia Jorge como uma oportunidade para promover uma reflexão coletiva sobre o futuro do Algarve e da sua comunicação social. «A sua participação pode ser o ponto de partida para um debate mais profundo, para que as pessoas responsáveis nesta região comecem a pensar para onde vamos, que caminho queremos seguir, que futuro queremos para o Algarve», sublinhou.
A Importância do Jornalismo e do Papel na Era Digital
Luísa Travassos aproveitou a ocasião para reforçar a importância do jornalismo tradicional e a necessidade de preservar o formato em papel, mesmo num contexto de crescente digitalização da comunicação. «O papel tem um valor insubstituível. Não é a mesma coisa ler um livro num iPad ou num ecrã do que folhear um livro, voltar atrás, sentir o cheiro do papel, acompanhar as letras», afirmou.
A diretora defendeu ainda que o jornal impresso tem um papel fundamental na circulação da informação dentro da comunidade, alcançando vários leitores numa única casa e promovendo o debate entre diferentes gerações.
«Quando um jornal chega à casa de uma pessoa, não é lido só por um, mas por vários. Na biblioteca, nos cafés, em qualquer espaço público, os jornais passam de mão em mão e cumprem um papel essencial na difusão da informação e na defesa da democracia», explicou.
O Perigo das Fake News e o Papel do Jornalismo na Democracia
Na sua intervenção, Luísa Travassos também alertou para os riscos do crescimento das notícias falsas e do populismo, reforçando a necessidade de um jornalismo responsável, baseado na verificação dos factos. «Hoje, qualquer pessoa pode escrever no Facebook ou no Instagram sem qualquer escrutínio, mas isso não é jornalismo. Os jornais regionais são fundamentais para garantir informação credível e transparente», defendeu.
Agradecimento a Lídia Jorge e Um Apelo à Ação
Encerrando a sua participação, a diretora do Jornal do Algarve agradeceu publicamente a Lídia Jorge pela iniciativa de colaborar com o jornal e pela sua dedicação à defesa da cultura e da identidade algarvia. «Temos que aproveitar esta personalidade que é tão importante para a nossa região. Lídia Jorge é capaz de mover montanhas e fazer com que muitas pessoas comecem a agir», afirmou.
Para Luísa Travassos, o artigo escrito por Lídia Jorge «Está Alguém Ali?» foi um primeiro passo para um debate essencial sobre o futuro do Algarve e da comunicação social na região. «Temos que começar a discutir e a agir. O Jornal do Algarve está à disposição para que isso aconteça», concluiu.
jestevãocruz/NewsRoom